Vinho Novo, Odres Novos - Parte 2

Vinho Novo, Odres Novos - Guia de Estudo 02

Este Guia de Estudo refere-se ao segundo sermão da série Vinho Novo, Odres Novos, pregado pelo Pr. Ed René Kivitz em 14 de março de 2010 e disponível em áudio para download no site da Ibab (ibab.com.br). Ele foi elaborado para facilitar a discussão em Pequenos Grupos.

 

IGREJA BATISTA DE ÁGUA BRANCA

Vinho Novo, Odres Novos 2

Ninguém põe vinho novo em vasilha de couro velha; se o fizer, a vasilha rebentará, o vinho se derramará e a vasilha se estragará. Ao contrário, põe-se vinho novo em vasilha de couro nova; e ambos se conservam.

[Mateus 9.17]

O chamado para o reino de Deus não é um apelo para uma nova religião ou uma nova experiência religiosa, mas uma convocação para a transformação [da vida] do mundo.

A expressão “odre novo” não diz respeito a um sistema e uma estrutura religiosa mais leve, flexível, menos dogmática, menos hierárquica, ou menos legalista. Na verdade, por trás das palavras de Jesus existe uma proposta de abolição de qualquer sistema ou estrutura.

Todo e qualquer sistema ou estrutura será um odre velho:

“Certa vez, tendo sido interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” ou “dentro de vocês”

[Lucas 17.20,21]

O fato de que “o reino de Deus não é visível” não significa que o reino de Deus não pode ser percebido. Ele é invisível, mas não é imperceptível. É isso o que dizer que “o reino de Deus está entre [dentro] vocês”.

Por esta razão, Jesus usou as metáforas do sal, da luz, do fermento e do vento para se referir à presença do reino de Deus [Mateus 5.13-16; 13.33; João 3.8].

Jesus jamais pretendeu uma nova estrutura e um novo sistema religioso para Israel. Ele não pretendia reforma r o Judaísmo, nem tampouco propôs uma nova experiência religiosa em termos de sistemas e estruturas. Suas palavras sempre afetaram as pessoas em sua interioridade. O vinho novo é o Evangelho da graça de Deus, e isso não gera uma nova religião. Os odres novos são a nova mentalidade (graça em Jesus em detrimento da Lei em Moisés), nova dinâmica de espiritualidade (além do culto-clero-domingo-templo), e um novo tipo de gente (novo nascimento).

Não se trata de deixar de freqüentar a catedral para a missa para passar a frequentar um grupo informal de oração na casa de um cristão. A questão é a nova mentalidade, a nova dinâmica de espiritualidade, e um novo tipo de gente.

A mensagem de Jesus e sua proposta de espiritualidade não estava voltada para uma reforma da religião judaica ou do sistema religioso de sua época. O vinho novo do evangelho da graça de Deus visava afetar o âmago das pessoas e de seus relacionamentos.

Paulo Brabo descreve bem essa nova mentalidade, nova dinâmica de espiritualidade, e principalmente o novo tipo de gente em seu artigo Dez razões para não ser cristão (A Bacia das Almas, Editora Mundo Cristão). O título provocativo sugere que o Cristianismo se tornou uma religião como as outras, com o risco de contrariar e subverter o espírito de Jesus. Senão, observe exemplos da mensagem de Jesus em contraposição ao espírito da religião e dos sistemas e estruturas religiosas.

1- Pureza de motivos

Jesus diz que a justiça dos seus seguidores deveria exceder a justiça dos fariseus [Mateus 5.17-20], o que significava que não bastaria a prática do bem, mas exigia um coração bondoso: a questão não é o que você faz ou deixa de fazer, mas a qualidade de suas intenções e motivações, e na verdade, a natureza de seu caráter. Foi por isso que Jesus repreendeu os fariseus dizendo:

“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo”.

[Mateus 13.25,26]

Jesus condena o espírito legalista das religiões: o mero cumprimento das regras religiosas não quer dizer muita coisa aos olhos de Deus, que vê e julga os corações [1Crônicas 28.9].

2- Desapego a coisas materiais

Jesus ensinou que “ não podemos servir a dois senhores”, indicando que Deus exige lealdade exclusiva. Entre os ídolos que competem pelo nosso coração, o dinheiro é um dos mais poderosos [Mateus 6.19-34]. Diferentemente de muitos tele-evangelistas, Jesus, portanto, condena a ganância e o anseio de prosperidade financeira como fonte de motivação para a caminhada do discipulado e a busca de Deus.

 

3- Renúncia ao poder

Jesus ensina que a posição de autoridade deve ser exercida para o bem comum. A autoridade existe para o bem de todos, e não pode usar sua posição em benefício próprio. O modelo de liderança de Jesus é a liderança servidora:

“Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.

[Marcos 10.42-45]

A tendência hierarquizante e de abuso de poder das estruturas religiosas fere o espírito do evangelho de Jesus.

 

4- Amor aos inimigos

Jesus ensinou que deveríamos ser perfeitos como é perfeito seu Pai [Mateus 5.48]. A perfeição a que Jesus se refere é a do amor, que anula qualquer expectativa de vingança [Mateus 5.38-42] e se estende não apenas aos amigos, como também e principalmente aos inimigos [Mateus 5.43-47].

A tendência sectária (“nós somos especiais aos olhos de Deus”) e maniqueísta (“nós justos contra eles pagãos e infiéis”), característica dos ambientes religiosos mais conservadores e fundamentalistas, é contrária ao evangelho de Jesus.

 

5- Ciclo virtuoso do perdão

Jesus ensina que devemos perdoar aos nossos devedores assim como nosso Pai celestial nos perdoa, e inclusive condiciona a experiência do perdão de Deus à disposição em perdoar os que nos ofenderam [Mateus 6.14,15].

A experiência religiosa individualista e intimista, na qual o que importa é “estar bem com Deus” independentemente da qualidade dos relacionamentos interpessoais contraria a proposta e ordenamento de Jesus em seu evangelho.

 

6- Pecado interior

Jesus ensina que o pecado não é apenas aquilo que fazemos ou deixamos de fazer, mas também e principalmente aquilo que abrigamos em nosso ser interior e determina nossa consciência e caráter. Não basta não matar, é preciso estar livre do ódio, da mágoa e do ressentimento Não matarás [Mateus 5.21-26]. Não basta não fazer sexo ilícito, é preciso estar livre da cobiça e da lascívia [Mateus 5.27-32].

A experiência religiosa que zela apenas pelo controle do comportamento moral está longe da proposta de espiritualidade de Jesus, que se baseia na liberdade do Espírito e na obediência em amor:

“Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão. Ouçam bem o que eu, Paulo, lhes digo: Caso se deixem circuncidar, Cristo de nada lhes servirá. De novo declaro a todo homem que se deixa circuncidar, que está obrigado a cumprir toda a Lei. Vocês, que procuram ser justificados pela Lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça. Pois é mediante o Espírito que nós aguardamos pela fé a justiça, que é a nossa esperança. Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor”.

[Gálatas 5.1-6]

 

7- Prática da generosidade

Jesus ensina a generosidade, o oposto da chamada Lei de Gérson: “levar vantagem em tudo”. O evangelho de Jesus propõe o serviço abnegado, solidário e compassivo em benefício de todo aquele que sofre, indepentemente do merecimento do sofredor. A parábola do Bom samaritano [Lucas 10.25-37] coloca a compaixão e amor ao próximo acima das leis cerimoniais religiosas. O bem do homem está acima da pureza cerimonial, pois “o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” [Mateus 12.27].

 

8- Restauração da dignidade humana (cada pessoa)

Jesus deu aos seus discípulos um novo mandamento:

Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros”.

[João 13.34,35]

O mandamento de Jesus é novo em relação à Lei de Moisés, que mandava “amar ao próximo como a si mesmo”. No evangelho, a medida do amor ao próximo não é o amor próprio, mas o amor de Cristo.

O amor é o argumento que condena qualquer prática de abuso social, físico, psíquico, moral e, principalmente, espiritual. A religião como fator de opressão e controle do ser humano e da consciência humana é absolutamente condenada pelo evangelho de Jesus.

 

9- Rendição à graça de Deus

Jesus ensina que o favor de Deus é fruto de seu amor, e não do mérito humano. A mesma qualidade de relação devemos desenvolver com as pessoas. A palavra chave do evangelho é graça, e não Lei. Por essa razão, Jesus adverte: “Digo-lhes a verdade: Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus” [Mateus 21.31].

Somente no evangelho da graça de Deus os desprezados socialmente têm primazia em relação aos virtuosos religiosos.

 

10- Dedicação da vida inteira

Jesus ensina que aquele que quiser ser seu seguidor deve abrir mão de viver para si mesmo.

“Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará.”

[Mateus 16.23,24]

“Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.”

[2Coríntios 5.14,15]

Este imperativo de Jesus e seu evangelho implica a dedicação da vida inteira a Deus e a condenação de qualquer experiência religiosa egocêntrica. A experiência de Deus não é mais um gomo na laranja das nossas vidas, mas algo que afeta a laranja inteira. Não se trata de incluir a vida religiosa ao lado da vida familiar, profissional ou cidadã. Trata-se de viver todas as dimensões da existência sob a influência e a autoridade de Deus.

Além disso, a experiência religiosa que faz de Deus um meio para atingir um determinado fim (conseguir um milagre, prosperar financeiramente, parar de sofrer) transforma Deus em ídolo. Deus é um fim em si mesmo: buscamos a Deus por Deus. Quem busca a Deus por causa de seus próprios interesses comete o pecado da idolatria.

 

Considerações finais

Está claro, portanto, que o chamado para o reino de Deus não é um apelo para uma nova religião ou uma nova experiência religiosa, mas uma convocação para a transformação [da vida] do mundo. Toda a mensagem de Jesus está voltada para a transformação das pessoas e seus relacionamentos, quer seja com Deus ou mesmo entre si. Jesus não pretendia reformar ou fundar uma religião. Não estava interessado em sistemas e estruturas religiosas. Sua proposta implicava a possibilidade de uma completa transformação ma mente e coração das pessoas, a instauração de uma nova dinâmica de espiritualidade e a existência de um outro tipo de gente, capaz de viver em qualquer sistema ou estrutura religiosa, ou mesmo sem qualquer sistema ou estrutura.

 

 

 

© 2010 Ed René Kivitz